Ouviu a batida seca e forte na porta. Ainda estava no quarto, revirando as caixas repletas de antigas lembranças. na caixa, papéis amarelados pelo tempo guardavam as palavras e as lembranças de uma época não muito distante em sua memória. Pegava uma por uma, com impetuosidade de rever, reviver cada momento que ficara para trás. Mergulhada em momentos de alegria e tristeza, sentada no chão do quarto de hóspedes, Marília já não se sentia mais presente naquele dia, com todas as suas obrigações, seus papéis beijados, suas fotos rasgadas, suas memórias transformadas em poeira. Voltou-se para o barulho que a pouco a incomodou. olhou para a porta, para todo o interior do quarto sem mobília. Fez um esforço para se levantar e apoiando-se na sua ansiedade foi ver quem era. Desceu a passos lentos a escada que dava nos fundos da sala. Parou mais um instante. Viu de súbito um porta retrato pendurado perto da escada. Era de sua antiga família, aquela que tinha acolhido naquele dia triste de chuva. Um vento forte balançou as cortinas e trouxe o cheiro velho da infância. As risadas, os passos pesados e barulhentos dos parentes, o cheiro do almoço de domingo, tudo estava ali, diante dela. Matéria do tempo, impossível apagar. Mas não era nada, apenas as lembranças que agitam a casa, as paredes, a vida. Tudo voltava a ser silêncio, silêncio duro e frio. Marília subiu as escadas. Pensava como iria guardar todas as aquelas lembranças que já não cabiam dentro da casa, das paredes, de si.
domingo, 9 de agosto de 2009
a leitora
virou a última página do livro.
cheguei! pensou entusiasmada. olhou para todos os lados para ver se alguém a observava.
um pouco de cólera.
um vento frio e seco cobriu sua face.
sozinha no quarto já não pensava mais na história, no desfecho a um ponto de ser solucionado, mas apenas no que teria que abandonar quando terminasse de ler a ultima palavra seguida do ponto final. resolveu então, arriscar-se, a ler repetidas vezes a mesma palavra, mesma sentença.
leu baixinho, para que apenas ela escutasse. nem as janelas, nem o silêncio das paredes de seu quarto poderiam ouvir tal confissão.
catarse ou remédio para uma pergunta
ele se sentia assim: perdido no meio da multidão. depois de tanto andar decidiu descansar. sentou em um banco. olhos negros cobertos de lágrimas, sempre pensou que as pessoas eram como ele, tênues, doces, de uma aproximação fácil e não dada a maldades. começou então a perceber que os efeitos de sua última decisão não eram apenas dificeis de aceitar, mas uma nova descoberta surgiu: da sutil indiferença que ronda as pessoas, do abraço roto e frio, do desvio do olhar, da conclusão pré-estabelecida, da quase ruína, dos suicídios diáriose principalemente, do ranço que fica de tudo isso. ergueu a cabeça. uma multidão ainda o cercava, passando apressadamente entre as ruas da enorme cidade. um homem aproximou-se dele. olhares de dúvida e curiosidade pareciam aproximá-los. tentei encontrar, quer dizer, pelo menos me aproximar de alguém, mas vejo que é impossível. é meu caro, aproximando-se mais ainda, todos nós nos aproximamos do outro para tentar encontrar algo que perdemos em nós mesmos. é por isso que ficamos assim, um bando de gente correndo pra lá e pra cá, sem se dar conta de que procuram a si mesmos.
sábado, 8 de agosto de 2009
ma vie à moi!
Escorregou das mãos sem que ela percebesse. Tinha deixado algumas coisas irem, passarem desapercebidas, mas desta vez sentia q algo diferente acontecera. Em suas mãos o cheiro da lembrança, a proximidade de algo que tinha acabado de terminar.
Sentada na beira de sua cama Catarina já não podia mais suportar o peso da opressão que vivia há 20 anos.
Os gritos de sua mente ecoavam no quarto cinza e frio.
Uma luz clara e tépida iluminava o pedaço de papel que segurava. Ensaiou os primeiros movimentos, as primeiras palavras de uma nova e surpreendente vida. Seus dedos, congelados pela frieza do última palavra lida não conseguiam nem tocar seus lábios, paralisados pela iminente descoberta. De sua boca um líquido viscoso escorria, pingava na roupa, escorreu entre os seios. Em um momento, se abraçou. E desejou que tudo se misturasse a ela, os pensamentos de Schopenhauer, a audácia daqueles que tem coragem de ir adiante, amores inacabados, gestos quase completos, mãos que quase se moldaram, corpos que por um instante deixaram de se tocar.
Sentada na beira de sua cama Catarina já não podia mais suportar o peso da opressão que vivia há 20 anos.
Os gritos de sua mente ecoavam no quarto cinza e frio.
Uma luz clara e tépida iluminava o pedaço de papel que segurava. Ensaiou os primeiros movimentos, as primeiras palavras de uma nova e surpreendente vida. Seus dedos, congelados pela frieza do última palavra lida não conseguiam nem tocar seus lábios, paralisados pela iminente descoberta. De sua boca um líquido viscoso escorria, pingava na roupa, escorreu entre os seios. Em um momento, se abraçou. E desejou que tudo se misturasse a ela, os pensamentos de Schopenhauer, a audácia daqueles que tem coragem de ir adiante, amores inacabados, gestos quase completos, mãos que quase se moldaram, corpos que por um instante deixaram de se tocar.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
la noyeé
Acordou um pouco cansada. Um cansaço pesado e denso. Sentia que sua alma era velha. E que dentro de seu coração tudo parecia inundado pela melancolia de um dia que mal acabara de começar. Morava no primerio andar de um edífico no centro da cidade. Abriu os olhos. Mas pra que abri-los, se todos andamos de olhos de fechados? Queria, sem dúvida, aproximar-se da verdade, de um sentimento que talvez poucas vezes sentiu na vida. Com as pontas dos dedos apoiou-se sobre a cama. Com as mãos fez um movimento para lançar-se, dar mais um passo dentro de seu quarto morno e tépido de paixões mal-acabadas...doenças sem cura, remédios que não saram, palavras não ditas... O ruído seco da cidade entrecortava sua breve respiração. Era só mais um momento em que tentava aproximar-se de si mesma.
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